Angola vai continuar longe de alcançar os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, em relação à saúde universal e sustentada, enquanto estiver com uma fasquia exígua no Orçamento Geral do Estado (OGE). “Lá está o Folha 8 a dizer mal do MPLA”, pensarão os autómatos do regime. Enganam-se. Quem o diz (desta vez) é o ex-director-geral da Pediatria de Luanda, Luís Bernardino.
O médico avançou que, além da verba, que corresponde a cerca de 9,4 por cento do OGE para 2022, ser exígua, o sector não tem criado outras fontes para garantir uma saúde de qualidade para todos.
Luís Bernardino, segundo o Jornal de Angola, falava à margem da Conferência sobre Gestão Hospitalar e Liderança, que decorreu em Luanda, disse que a fasquia do OGE para a Saúde deste ano, prestes a terminar, é de 5,6%, o que considera uma verba incapaz de ajudar o país a atingir as metas traçadas pela Organização Mundial da Saúde até 2030.
O pediatra apelou ao Executivo a ter maior sensibilidade para com o sector da Saúde, aumentando a fasquia nos próximos OGE e, além disso, a criar outras fontes de seguros que possam garantir a qualquer pessoa pobre beneficiar de cuidados primários de saúde e de qualidade.
Luís Bernardino exemplificou que países como Gana e Nigéria, onde a verba para a Saúde é baixa, estão a criar programas de financiamento, o que permite que, pelo menos, dois terços da população carenciada tenha seguro de saúde.
“Mas, Angola, apesar das riquezas naturais que possui, ainda não vejo nada a ser feito em relação a isso. Infelizmente, o Estado está a fazer uma aplicação do dinheiro da Saúde no topo do sistema, ao invés de fazê-lo nos cuidados primários, que é a base fundamental”, disse Luís Bernardino.
Essa estratégia, explicou o médico pediatra, limita a actuação do sector da Saúde, uma vez que “não basta só dar dinheiro, mas é preciso gerir o dinheiro de forma a que beneficiei as populações mais carenciadas”.
Luís Bernardino realçou que, recentemente, a imprensa passou a informação, segundo a qual, a ministra da Saúde, Sílvia Lutucuta, disse que foram disponibilizados mais de mil milhões de dólares para a construção de grandes hospitais.
“Na verdade, não é isso que se precisa. Temos é de ter um Sistema de Saúde Municipal com qualidade, para se evitar enchentes e mortes nas unidades terciárias”, rematou o médico.
Recorde-se que profissionais de saúde pediram no dia 8 de Juho deste ano a intervenção do Presidente Da República, Presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo, João Lourenço, para “travar” a escassez de materiais descartáveis, medicamentos e de recursos humanos nas unidades sanitárias, sobretudo em Luanda.
Segundo alguns profissionais, o sistema de saúde primário, sobretudo na capital, tinha colapsado e as unidades hospitalares estavam a registar em “média entre seis e dez mortes” associadas à malária e anemia. É claro que a culpa não é, nunca é, do MPLA, porque o partido liderado por João Lourenço só está no Governo há… 46 anos.
“Com todas as observações que temos feito não observamos melhorias nem de medicamentos, nem de recursos humanos e meios e o que me admira é o silêncio do Presidente da República, João Lourenço, em relação a isso”, afirmou nesse dia o presidente do Sindicato Nacional dos Médicos de Angola (Sinmea), Adriano Manuel.
Para o médico Adriano Manuel, “é necessário que os altos dirigentes do país, sobretudo o Presidente da República, façam visitas surpresa aos hospitais públicos para observarem o que se passa verdadeiramente e quais as repercussões”. Sim. Terá de ser o Presidente porque, de facto, Angola não tem ministra da Saúde e Sílvia Lutucuta mais não é do que uma figura decorativa, cujo prestígio que tinha quando foi escolhida se esfuma a cada dia que passa.
O lixo e as águas paradas, de esgotos a céu aberto e das últimas chuvas, referiu o dirigente sindical, “influenciam negativamente” o quadro sanitário de Luanda verificando-se um “elevado quadro de malária nos bancos das urgências”, notou.
“Estamos num quadro em que grande parte das crianças padecem de má nutrição crónica, por um lado, e de anemia crónica também, e quando a malária acomete esses pacientes encontra uma certa vulnerabilidade e daí surgem as mortes”, disse.
Ao quadro de malária associam-se as anemias e insuficiências dos ‘stocks’ do banco de sangue. “Daí que muitas crianças que acorrem aos nossos hospitais morrem de malária”, lamentou Adriano Manuel.
Aliás, muitas (muitas mesmo) das nossas crianças são geradas com fome, nascem com fome e morrem pouco depois com fome. Nada disto é novo mas, apesar disso, tudo continua na mesma ou… pior. A isso acresce que os pais dessas crianças, tão angolanas quanto os filhos do Presidente João Lourenço, continuam a aprender a viver sem… comer.
O presidente do Sinmea estimou igualmente que, em média, o índice de mortalidade por malária nas unidades hospitalares “varia entre 6 e 10 mortes por dia, embora existam hospitais que tenham um nível superior e atingem mais de 18 mortes de crianças”.
“Isso acontece porque os níveis secundários e primários não têm recursos humanos e medicamentos e, então, as pessoas acorrem aos hospitais terciários por falta de condições para a aquisição de medicamentos”, sublinhou.
Apontou ainda “um visível desgaste físico geral de médicos, enfermeiros e demais técnicos de saúde, em consequência da demanda de pacientes”, o que também influencia, frisou, “o índice de mortalidade”.
Porque, explicou o médico, “não se pode compreender como é que um médico sozinho num banco de urgência observa uma média de 150 doentes”. “É um cansaço terrível e infelizmente o Governo faz ouvidos de mercador”, comentou.
O cenário de enchentes nas unidades hospitalares, a partir do nível primário, foi também relatado pelo secretário-geral do Sindicato de Técnicos de Enfermagem de Luanda, Afonso Kileba, afirmando que a procura dos doentes “contrasta com a escassez de técnicos de saúde”.
“Os hospitais estão muito cheios, centros de saúde muito cheios, principalmente do nível primário, onde está a maior parte da população e é o nível que está desfalcado em termos de técnicos”, disse Afonso Kileba.
O responsável sindical e especialista em enfermagem lamentou também a “inexistência” de materiais descartáveis nas unidades sanitárias, referindo existir uma “redução de abastecimento do material gastável” nos hospitais de Luanda.
“Há hospitais a que estão a ser atribuídas cinco ampolas de dipirona [fármaco para a febre] para um mês, de tal maneira que agrava também o quadro de mortes, devido à ausência de uma resposta capaz”, indicou.
Quanto a condições de trabalho, “já nem se fala, não existe alimentação ou condições de acomodação dos técnicos”, afirmou ainda Afonso Kileba.
Lixeiras, as (novas) lojas do Povo, não é Presidente?
Se os angolanos não morrem em maior quantidade, a culpa não é de um Governo que está no poder há 46 anos e que está a fornecer-lhes todos os dias, a todas as horas, instrumentos para terem sucesso… Ao que parece o Covid-19 não teve êxito neste aspecto, ficando a longa distância da estratégia do MPLA que ensina os angolanos a viver… sem comer!
Há quem afirme que são cada vez mais as vozes que dentro do MPLA – fora já sabemos que é verdade – estão a mostrar o seu descontentamento com as políticas do “querido líder”. Será? É que a resposta aos contestatários (serão fraccionistas?) passa por acusações de corrupção, confisco de bens etc. e, também no MPLA, quem tem mataco tem medo.
Talvez estejam, aos poucos, a ver que sua majestade o novo rei, João Lourenço, não tardará (mais pela razão da força do que pela força da razão) a recorrer aos ensinamentos do seu guru e único herói nacional, António Agostinho Neto, não perdendo tempo com julgamentos.
E para que um cidadão não ande, apesar da barriga cada vez mais vazia, de mão estendida, o melhor que tem a fazer é – segundo as teses oficiais – aprender a viver em silêncio, sem comer ou, em alternativa, estender a mão mas tendo entre os dedos o salvo-conduto emitido pelo MPLA e com acesso às modernas lojas do Povo: os caixotes do lixo.
Certamente que João Lourenço nos dirá, tal como nos disse José Eduardo dos Santos durante 38 anos, que o seu governo está a fazer o que pode para minorar o sofrimento dos angolanos, nomeadamente dos mais de 20 milhões de pobres.
Se os angolanos cumprirem o que quer o regime não voltarão a erguer-se, mas permitirão que o dono do país continue bem direito e a viver à grande, seja onde for.
João Lourenço, directamente ou através dos seus sipaios, diz que à oposição começa a faltar imaginação para mostrar que o país ficará melhor com ela.
De facto a oposição não está a trabalhar para os milhões que têm pouco ou nada. Está, isso sim, a trabalhar para os poucos que têm milhões na esperança de também serem bafejados com a entrada nesse rol de angolanos de primeira.